terça-feira, novembro 28, 2006


" E é assim que a noite chega, e dentro dela te procuro, encostado ao teu nome, pelas ruas álgidas onde tu não passas, com a solidão aberta nos dedos como um cravo."
Eugénio de Andrade


Perguntam-me do tempo. Sei lá eu do tempo!

Perguntam-me das horas. Soubesse eu...


Tremo na minha inusitada desconfiança, na minha dúvida e na minha espera... se eu pudesse trancar a cor e a vontade que se me inflamam no coração...
Os ses e os porquês da minha vida, os mas e os também da minha calma aparente...
Desvia-te de mim ó fragilidade, deixa-me só e plácida no meu contentamento sóbrio.

domingo, novembro 26, 2006

Profundamente! Calidamente...
Fogo preso dos sentidos, mãos trémulas que me tangem em sonhos desconexos. Sou perdida e contente no meu gosto, no meu sabor.
Ah...! esse gosto a mar que não me larga, essa dúvida latente de júbilo!
Como seria...
Odor de pétalas e magnólias, pronúncio de vida em brasa. Na minha boca e no meu olhar, na minha cama, no intervalo dos meus lencóis de seda, no meu chão.
Tu que me ardes no peito, tu que te insinuas na minha pele, presta atenção a estas palavras diáfanas, a este sentir irrequieto, a esta paz incerta e por vezes lenta e vagarosa. Escuta a música do meu falar silencioso, o restolhar de movimentos, o agitar perfeito e sincronizado deste corpo fervilhante de desejo e luz.
Some-se o mundo, somem-se as imagens... ficas-me tu e este cenário luminescente.

sexta-feira, novembro 24, 2006


"Atravessamos o presente de olhos vendados. No máximo, conseguimos pressentir e adivinhar aquilo que estamos a viver. Só mais tarde, quando se desata a venda e examinamos o passado é que nos apercebemos daquilo que vivemos e compreendemos o seu sentido."


Estou a começar a ler este livro, "O Livro dos Amores Risíveis", do Milan Kundera, e não resisti a folheá-lo antes de mergulhar nas suas páginas de forma mais concreta, e deparei-me com estas palavras. Pareceu-me uma boa passagem, algo a reter, algo para lembrar, para tentar ser ao contrário...
Bom fim-de-semana!

quinta-feira, novembro 23, 2006

Dualidade

Esta é uma daquelas semanas em que parece que tudo é possível.

A normalidade, ou o hábito(chamem-lhe o que quiserem) tem o mau costume de fazer a vida correr a um ritmo tão insípido que dou por mim quase inerte ao fim do dia. Sinto-me embrutecida. Como se o peso das horas laborais, sentada a uma secretária, me toldassem o racíocinio e a visão. Chego ao final da tarde embriagada pela luz do ecrã do computador e com a mente em piloto automático, completamente alheada da realidade, absorta em pensamentos desconexados. Isto são os meus dias. E eu queixo-me que não acontece nada de extraordinário, que a vida corre lenta e insossa, que os dias do fim da semana são sempre os mais aprazíveis. Mas esta semana...

Esta semana começou doce. Isto é, se considerar que a semana começou ao Domingo, então a semana começou de forma aveludada, mas simultâneamente agitada, ao sabor da descoberta de sensações e sentimentos novos e desconhecidos. Depois houve ali um ligeiro voltar ao mesmo, mas depois, depois tem sido um alvoroço!

São voltas, são reviravoltas, são novidades, são decisões tomadas, segredos guardados... uma festa para os sentidos! Em alguns dias a minha vida levou um abanão, como se finalmente alguém tivesse escutado os meus apelos e tivesse decidido satisfazer os meus desejos. Há uma expressão que diz "cuidado com aquilo que desejas, podes consegui-lo". Se calhar estou a sofrer dessa maldição... Ou então é mesmo assim, quando acontece algo, os acontecimentos seguintes sucedem-se, como se se tratasse de uma reacção em cadeia.

Frenética, é esse o meu estado de espiríto. A vantagem(ou não), é estar aqui presa a esta jaula(é o mesmo que dizer secretária) e não poder dar largas à minha turbulência sentimental e física. De contrário acho que saía por aí a beijar as pessoas e a dançar à chuva, e mais umas quantas coisas que me vêm agora ao pensamento...
Apetece-me desligar o mundo.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Eu, assim...


Gosto de me ter assim, encostada em mim, quieta e calada, recolhida e muda para o mundo.

A chuva escorre do lado errado da janela. Preferia que ela se viesse aquietar comigo, que me viesse fustigar o rosto e limpar os vícios. Canta baixinho para me arreliar, e se eu a ignoro, ri-se de mim. Metamorfose do meu improviso, deito as mãos à cara: julguei-me rendida! Julguei-me triste, enferma nos sentidos, quebrada, quando afinal... A minha enfermidade é outra, fruto da quietude, desta incerteza , desta ausência tão cheia. Fruto desta chuva morna, deste vento húmido que me traz à memória dos sentidos fragmentos de júbilo e agitação. O meu coração pulsa, a minha pele desdiz-se...

Abalam-se os passos por entre a chuva miúda, apresso-me adentro do meu íntimo por me encontrar, por descobrir quem sou e o que sou. Já não me interessa o tempo que passou, já não me dói a indecisão. Propago-me por mil universos de beleza e dilúvio de paixão. Sou assim, cheia, desmedida de mil cores, de mil odores. Sou parte do todo e dona da vida, da minha existência cálida, frenética. Sou água e fogo, vento e terra, perdição e reencontro. Sou o dialecto da realidade oblíqua do meu corpo. Sou a soma e as partes.

E se um dia fechar os olhos, ainda assim sentirei, com a alma e o gosto, com a dor e o improviso, o horizonte que habita a minha verdade. E a minha verdade é esta, crua e sincera, por vezes latente, por vezes dissimulada, muitas vezes mascarada.

Eu sou assim...

sexta-feira, novembro 10, 2006

Desejo



Desejo...
Queria enrolar-me no teu corpo de mar, provar o teu gosto de lua cheia, sentir o teu toque, quente e profundo. Queria deixar o meu sal na tua pele, embrenhar-me nos teus lençóis de veludo, abotoar os teus braços nos meus. Queria morder a tua boca ávida, sentir-te dentro de mim, sentir-nos, reconhecer-nos, apertados, embrulhados no nosso segredo, livres do mundo e de toda a gente.
Queria dizer-te tudo o que tu queres ouvir, tudo o que sempre me senti incapaz de enunciar, estas palavras que me enchem o peito, que me sufocam o âmago, que estão à tua espera para serem finalmente e afinal proferidas.
Quero ser eu, plenamente, para depois poder ser o que tu quiseres que eu seja. Quero voar nas tuas asas e sentir o mundo como tu o sentes. Quero ver o sol a deitar-se enquanto tu me seguras nas mãos e me suspiras ao ouvido ditos frágeis e macios, doces... Quero ser constelação, tua estrela guia nas horas mais sombrias. Quero um banho de mar, beijado pela lua e amparado pelas tuas mãos, em gestos de ternura denunciada, intensidade de luz difusa do teu olhar.Quero parar o tempo por um breve instante, breve instante de um beijo brando, intenso de fogo e alucinação. Quero entregar-me a ti, sem medos e sem pudores, plenamente, serenamente, graciosa denúncia de desejos lascivos, devassos...
Quero-te aqui, para que ouças o meu coração, para que ouças a minha música, para que a tua pulsação se me entranhe e me desperte, para que o teu toque e o teu odor de mar e planicie me desnorteiem os sentidos e me façam cair, em ti, para sempre, neste sonhar que me transforma, nesta casa de mil desejos, nesta nobre lucidez de me ter presa ao teu nome.
Desejo...


" E portanto, só aí se encontram, no acto do amor, no chamado amor, essa linha divisória entre a terra e a água, essa frágil linha do horizonte entre o mar e o céu, encontram-se aí, bailarinos, acrobatas do arame, próximos, aproximados nesta relação, a relação sexual, a única que tem sentido, se não há relação. Estamos sós. As questões permanecem vãs, e vãos são os apelos. "Onde estás diz o sonho. E tu vives ao longe... e o que sei eu ainda dos caminhos até ti? Ó face amorável, longe do limiar... Onde combates tão longe que eu não esteja? Em prol de que causa que não é a minha? Onde estás tu diz o sonho. E tu não tens resposta."
Porque estás tão longe? Porque sempre arrastado para outro lugar, para que lugar? Porquê? Acaso esta viagem tem um sentido, uma meta? Terá verdadeiramente nascido do mar e desejoso de nele navegar para sempre? Será verdadeiramente esse nómada de fonte pura, "obcecado por coisas remotas e maiores"? Que coisas, porquê, no que penso? O seu mundo é mais vasto do que o silêncio onde eu grito? É forte, nobre, altivo? De quê? Porquê? Qual a sua natureza e para onde vai o meu amor? Para o corpo de atleta, para a opressão do amo ou o ciúme do Deus? É poderoso, é fraco? Existe sem mim, sem o maior de mim, verdadeiramente? E se o mar o levar, para onde vai que eu não esteja, para que lugar que eu ignore? Será uma viagem ou uma astúcia, uma falsa partida? E se o mar o levar, será que a morte o traz? Volta? Voltará? De onde? De onde vem quando vem, quando diz "Eu venho". É assim tão longo, assim tão longe? "Um passo em mim se afasta", é o seu? Para onde vai? Onde está? Quem é?
E tu, não tens resposta."

Camille Laurens